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APARAS DE ESCRITA: FACILIDADES

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quarta-feira, janeiro 23, 2002

FACILIDADES

"Quem quer vai; quem não quer, manda...atestado".
Esta poderia ser uma nova versão do antigo provérbio, agora aplicado à facilidade com que é possível adquirir no mercado um atestado de saúde. Seja para abrir um restaurante, arranjar um emprego, renovar a carta de condução, evitar a tropa, justificar a falta a uma sessão do tribunal como testemunha de um facto ocorrido há três anos, safar-se da estopada da mesa de voto, prolongar as férias ou, até, comprovar uma doença de maior ou menor gravidade, é fácil encontrar um subscritor que dignifique pela sua honra o formato A4.
Mas nem só do médico vive o atestado. O de residência, a garantir que dois cidadãos estão em comunhão de cama e pucarinha naquela Freguesia, permitindo o acesso imediato a um cartão de saúde mais sedutor ou a um hospital com melhores referências, e o de pobreza, na mira da aquisição daquele apartamento que a Câmara disponibilizou para algum menos afortunado, gozam, igualmente, da mesma facilidade de obtenção.
E, neste país de clima e hábitos amenos e sol encantador, as facilidades não ficam por aqui.
É fácil arranjar um cartão de crédito bancário, outro da sapataria, outro do hipermercado, outro, ainda, do armazém que vende alumínios, loiças, plásticos e acessórios de casa de banho. Para não ir mais longe, todos contribuem para facilitar o endividamento progressivo do seu possuidor, a ponto de o subsídio de férias somado ao do Natal já não chegarem para pagar a despesa.
Endireitar a vida com o bambúrrio dum jogo de apostas é fácil, como diz o próprio refrão publicitário.
Ficar, de repente, com um automóvel nas mãos, saído, como por magia, dum pacote de detergente ou a troco de meia dúzia de disparates e outros tantos vexames num concurso televisivo, é o mais fácil que há; e se o sortudo não tiver carta, verá como é fácil arranjá-la - há poucos anos, até um Cônsul português em França as vendia sem delongas, embora não fosse por dez reis de mel coado.
Nos transportes, as facilidades apresentam um vasto leque de opções. Assim, de comboio, é fácil chegar ao destino com um atraso digno duma descrição queirosiana, porque caiu uma catenária, uma vaca foi atropelada ou o mercadorias obstruiu a linha numa arrastada manobra de engate. É fácil ter de permanecer mais um dia ou dois no hotel porque o número de passageiros não justificava o voo e uma providencial complicação técnica ou climatérica reteve o avião em terra. No metro, as facilidades vão desde o ser apalpado até ser roubado, passando pela corrida desenfreada a uma alternativa por avaria da composição. É fácil, ainda, no mais primitivo e saudável meio de transporte que é o pedestre, ser interceptado por umas centenas de quilos de lata e aço, vidro e plástico, borracha e alumínio numa qualquer passagem para peões. E, por falar em andar a pé, é fácil ouvir buzinar atrás de nós quando, pacatamente, no passeio que nos é destinado, alguém cheio de pressa e afazeres procura arrumar o carro nesse mesmo passeio. Para quem trabalha na construção civil, é fácil cair dum andaime ou ser enterrado vivo, do mesmo modo que é fácil levar com uma trave na cabeça porque o capacete guardado estraga-se menos.
Para quem trabalha por conta de outrem, seja onde for, é fácil não ser promovido se afrontou, mesmo só em pensamento, e o pensamento trai-nos, a mediocridade do chefe. Quanto a ser despedido, a facilidade vem estampada na imprensa diária. É fácil descontrair no fim do dia, nas mãos e noutras anatomias de uma ou de várias competentes, ternas e jovens massagistas. É fácil enriquecer o vocabulário se, às duas da manhã, um vizinho mais espontâneo tenta avisar da janela o dono do automóvel que tem o alarme a tocar há meia hora.
É fácil resolver de imediato todos os problemas da vida por falta de pessoal na urgência ou / e porque os equipamentos funcionam mal, se é que existem. É fácil contratar um contabilista hábil que ponha a escrita em dia a nosso favor.
É-nos fácil, congenitamente amnésicos, esquecer as sumptuosas fraudes e os magníficos escândalos gerados pela mãe corrupção no húmus quente das esferas do poder. E fácil é esquecer, também, a promessa do destino do voto quatro anos depois.
É fácil manter a companhia das crianças até terem quase trinta anos, porque não há empregos, ou não há casas acessíveis ou, mais frequentemente, não há nem uma coisa nem outra.
É fácil levar com uma bola maciça num olho quando se apanha sol na praia, porque o matulão que se exibe para o grupinho de bronzes não reparou que a densidade no areal é de três banhistas por metro quadrado. É fácil perceber que aquela família de turistas nos visita pela primeira e última vez, porque o esplêndido complexo de férias do catálogo colorido ainda está nos caboucos.
É fácil prescindir de jantar fora, mesmo naquelas ocasiões especiais; para tanto, basta acompanhar a autoridade sanitária nas inspecções às cozinhas de alguns restaurantes.
É fácil proporcionar aos garotos a inesquecível experiência duma intoxicação alimentar, desde que eles estejam no infantário certo, na creche certa ou na escola certa.
É fácil apontar, por esse país fora, árbitros que usam luvas, tanto de inverno como de verão.
É fácil encontrar um Comendador num raio de quinhentos metros da nossa casa; tão fácil como encontrar cinco potenciais Comendadores num raio de cem metros da nossa casa.
É fácil deparar com uma telenovela, seja a que horas for, pelo menos num dos canais nacionais disponíveis.
Se, para alguns, é fácil matar de uma cajadada dois coelhos, para a maioria (vivemos em democracia) é ainda mais fácil matar um coelho com duas cajadadas.
É fácil fazer anedotas neste país de humor negro.
A lista não acaba aqui, todos o sentimos. Poderia continuar o testemunho, linha a linha, página a página, resma a resma, de casos exemplares deste paraíso de facilidades. Apesar disso, de quando em onde, aqui ou acolá, somos surpreendidos pelo desplante de alguma voz contestatária. Não é de conceder grande importância, pois há sempre ervas daninhas nos relvados, por mais cuidados que sejam. Mas, se calhar, o que nos faz falta é uma ou duas dificuldadezitas para sabermos o que elas custam e para darmos o justo valor a quem se esforça por nos trazer resplandecentes de felicidade. E, para esses, a minha gratidão e que Deus os conserve.
- De preferência em formol.
- O quê?...
- Não é contigo. Estou a preparar um trabalho científico.
- É difícil?...

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