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APARAS DE ESCRITA: PINGOS DE LAMA NA PELE

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sábado, janeiro 19, 2002

PINGOS DE LAMA NA PELE


Aproveitei a boleia de um dos meus irmãos, num dos seus intervalos de visitas médicas, para ir a um centro comercial, perto de minha casa, mandar colocar um vidro que se partira num quadro de grande estimação para mim. O tamanho do quadro justificava o automóvel. O conhecimento da casa onde a obra seria executada justificava o centro comercial.
Àquela hora da manhã o movimento no centro era ainda diminuto.
Na loja, galeria de pintura e escultura e, simultaneamente, centro de encomendas para reparações e emolduramentos, frente ao empregado apenas um cliente, uma mulher de menos de trinta anos, presumi. Pelo ar resignadamente paciente do vendedor e o espalhafato em cima do balcão, uma mistura de caixilhos, cantos e passe-partout a mulher já lá se encontrava há um bom bocado.
Do aglomerado confuso saltavam duas fotografias, formato 30 X 24, aproximadamente, de um bebé de poucos meses, naquela mais que vista mas sempre repetida posição de lagarto em que é costume fotografar as crianças daquela idade: nu, bracitos esticados, a mal suportar o peso do meio tronco soerguido, cabecita cai que não cai, olhos espantados, a ver não se sabe o quê.
Acontece que estou a fazer um curso de fotografia onde reavivo práticas e, principalmente, conceitos. Na escola de artes onde o frequento, insiste-se muito num princípio que me é caro: o do respeito por quem se fotografa e pelo trabalho daquele que fotografa, seja profissional ou amador.
Reparei melhor nas fotografias, expostas entre cartolinas e réguas de madeira sobre o balcão. Para além de banais, banalíssimas, eram francamente más, a ponto de me apagarem da memória imediata o tal respeito devido aos resultados conseguidos por terceiros com uma câmara na mão. Nunca teriam merecido da minha parte ampliações e, muito menos, caixilhos. Uma delas tornava a criança estranhamente vermelha, como que retirada recentemente de um forno; a outra, na mesma pose, projectava o garotinho numa superfície de azuis lisos e frios que metia dó. O meu irmão, antes de se afastar para apreciar os quadros expostos, deitou-me um olhar, a que eu correspondi, olhar de "mal empregado tempo e dinheiro" com aqueles mamarrachos de que a criança era o único inocente.
Observando-a por detrás, a três quartos, aguardei, com alguma, embora meio contida, agitação, que a mulher continuasse a escolher molduras e cartolinas, na esperança de que fosse breve a decisão e pensando, cá para comigo, se haveria enquadramento físico possível para tamanha monstruosidade fotográfica.
De repente, o vendedor perguntou-lhe, sobressaltado, "a senhora está a sentir-se bem?". O meu irmão e eu aproximámo-nos para ver o que se passava. Ela estava hirta, muda, fixa nos retratos. E, sem uma lágrima, "isto são fotografias do meu filho que morreu há um mês".

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