A PRECISÃO CIRÚRGICA AMERICANA
O exército americano, auto-proclamado e convencido especialista em operações de guerra de precisão cirúrgica, mais uma vez levou a confusão ao terreno e o luto a uma família. Por pouco obtinham os louros de ter conseguido em segundos o que extremistas iraquianos não consumaram durante um mês de cativeiro: matar Giuliana Sgrena, a jornalista italiana ex-refém libertada.
O primeiro-ministro italiano, Berlusconi, enraivecido, convocou de urgência o embaixador americano em Roma para que este lhe prestasse esclarecimentos e ouvisse os seus protestos oficiais.
George Bush apresentou condolências por telefone e prometeu, circunstancialmente, que o caso iria ser investigado. Conhecendo o autor da promessa, é lícito supor que a justificação já está cozinhada, se não o estava antecipadamente, e tudo tenderá para o esquecimento.
A menos que vingue e seja provada a tese de Pier Scolari, marido da jornalista, que defende que os Estados Unidos armaram uma emboscada ao automóvel em que Sgrena era conduzida por agentes da polícia secreta italiana, por não quererem que ela saísse viva do país, devido às informações que obtivera durante a sua missão de reportagem no Iraque, para o jornal de esquerda "Il Manifesto", em particular no que diz respeito aos refugiados de Falujah, acolhidos numa mesquita de Bagdá após o bombardeio dos norte-americanos à principal região sunita.
Em que medida a posse dessas informações foi decisiva para a sua libertação pelos sequestradores, talvez possa vir a saber-se mais tarde.
Para além disto tudo, a jornalista também era persona non grata dos americanos porque o seu apelo no cativeiro para que o governo italiano retirasse as suas tropas do Iraque provocou em Roma uma marcha de milhares de pessoas que se manifestaram contra a presença italiana no teatro de operações, em paralelo com manifestações frequentes pela sua libertação.
Ora, para grandes males grandes remédios, e, nalguns tipos de terapia, os americanos são, de facto, cirurgiões de reconhecida fama e proveito.