O 25 DE ABRIL DE 1974 EXISTIU
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Quase todas as formas de comunicação, das mais grosseiras às mais finas, das mais arcaicas às mais contemporâneas, conseguem entrar hoje em nossa casa sem pedir licença e sem pedir desculpa, ou, por outro lado, sem que lhes possamos agradecer a intromissão, quando é caso para tal.
É por isso que todos os anos, por esta época de Abril, dois grupos antagónicos repetem o que toda a gente vem ouvindo durante anos e anos, pólos extremados de uma mesma realidade portuguesa.
De um lado estão os que festejam o 25 de Abril, refrescando a memória da História. Do outro, os que amaldiçoam a data, tentando, em vão, apagar a memória da História.
Os primeiros são os que têm da História uma visão aberta, dinâmica, dialéctica e referencial. Os outros são os que têm da História, em particular da História de Portugal, uma perspectiva distorcida, limitada e egoísta, fixada e estagnada na era do colonialismo.
São estes últimos que responsabilizam o 25 de Abril por aquilo a que chamam "todas as desgraças" e "todos os desastres" da descolonização. São estes que, infectados por uma visão míope do processo histórico, não conseguem entender que as consequências da descolonização resultaram de uma política colonial que está pelo menos 50 anos para trás do 25 de Abril de 1974.
Chegou mais um 25 de Abril.
Como português em terra alheia, já há vários anos que do 25 de Abril me chegam apenas vagos rumores de um longínquo festejo envergonhado, quase encolhido pelo ladrar feroz do que ainda resta dos cães de fila do antigamente.
Ano após ano mais parece apagar-se a citação do 25 de Abril, sem que me chegue notícia de que num exemplar Consulado português se honrou o dia e, implicitamente, os que para ele generosamente contribuíram.
Alguns partidos, hoje refastelados nos cadeirões do Poder,pretendem desdobrar uma cortina cada vez mais espessa sobre a data. Esquecem os seus militantes, muitos deles glutões perante o bolo orçamental, de que se não fosse o 25 de Abril estariam hoje a entreter-se com as suas conspiraçõezinhas de café, de olho à espreita – não fosse chegar o porrete da Polícia de Choque, ou a garra da polícia política na pessoa de um amigo íntimo ou, até, de um familiar.
É a mesma memória curta que explica (mas não desculpa) os "velhos do Restelo" que ainda choram e glorificam os seus ídolos há muito mumificados. Alguns desses "velhos" rosnam no rectângulo português e suas ilhas. Outros, muitos, fazem parte da actual diáspora portuguesa onde destilam os venenos ácidos das suas frustrações, sem se lembrarem que foram aqueles seus ídolos que os obrigaram a emigrar. É essa mesma memória curta que os faz esquecer, também, que no tempo dos seus ídolos lhes era proibido criticar o que os oprimia, e que foi o 25 de Abril que lhes permitiu maldizer aquilo que os libertou.
Entre tantos esquecimentos, o do 25 de Abril é mais um.
Mas o processo histórico é irreversível e, gostem ou não, o 25 de Abril existiu; está bem documentado por historiadores nacionais e estrangeiros.
Gostem ou não, o 25 de Abril continua hoje presente em cada gesto, em cada acto do cidadão português no dia-a-dia.
Essa realidade é, afinal, uma vitória inequívoca que pode bem prescindir de comemorações por dever de ofício.