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APARAS DE ESCRITA: "MEU QUERIDO 25 DE ABRIL"

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terça-feira, abril 25, 2006

"MEU QUERIDO 25 DE ABRIL"


Se chegar a netos, e algum ou alguns deles, por terem encontrado no meu livro de memórias a minha letra dizendo "meu querido 25 de Abril", me perguntarem quem foi o 25 de Abril em Portugal, não vou estranhar, pois uma aprendizagem cada vez mais deficiente da História, e uma cada vez maior ocultação do que foi alguma História poderão justificar a inocente pergunta.
E em resposta, terei de lhes dizer que o "25 de Abril" foi muita gente, incluindo eu próprio, sentindo-me na obrigação de explicar porquê.
Durante quase 50 anos, quase meio século, a esperança de vida de muita gente nesse tempo do século vinte que vai de 1928 a 1974, 80% da população portuguesa vivia mal, passava dificuldades de vária ordem. Alguns com fome, outros sem abrigo decente. Outros, ainda, numa pobreza envergonhada, mal disfarçada, eram obrigados a pintar aparências para dignificar um estatuto social a que se viam amarrados, às vezes por força da profissão.
Isto tudo acontecia para que os outros 20% da população permanecessem bem alimentados, se apresentassem bem vestidos, se acomodassem bem alojados, andassem bem transportados, e se deliciassem com os seus pequenos ou grandes vícios.
Para isso, era preciso mantê-los bem pagos nos serviços, públicos e/ou privados, de que os outros 80% se serviam (mal) e pagavam (bem).
E durante esse quase meio século, muita gente nasceu, trabalhou e morreu sem outra esperança de vida; e sem ter tido a oportunidade de dizer para toda a gente que isso estava errado, que isso era uma injustiça.
Quem o fizesse seria perseguido. Poderia ser encarcerado para o resto da vida, e torturado no corpo e no espírito. O regime de então detinha o poder e a liberdade, a única concedida, para além da liberdade de cada um se conformar com a sua sorte, de perseguir, deter, prender, deportar, torturar, matar. Se fosse necessário e possível, corromper, também.
Quem o quisesse fazer sem correr estes riscos, teria de abandonar tudo: pais, marido ou mulher, filhos, amigos, estudos, os seus pertences, os seus recantos, as suas referências na terra em que nascera.
Então iria gritar a sua revolta "noutras paragens, entre outros povos", onde a liberdade de cada um fosse reconhecida, mas sem promessa de regresso, porque esperança era coisa arredada da vida de cada um.
O 25 de Abril foi essa gente, essa gente mártir, martirizada, que, em 1974, quis um Portugal diferente, humano, equitativo, mais de todos.
Mas se me perguntarem os meus netos o que foi o "25 de Abril", terei de dizer que foi um sonho muito lindo, de que nós, Portugueses, o povo, fomos rudemente acordados pelos novos carrascos, disfarçados com vestimentas, trejeitos e falinhas adequados à nova situação.
Os carrascos do "25 de Abril" tinham aprendido bem depressa com os outros, os do "24 de Abril", sem que disso nos tivéssemos apercebido, a aplicar velhas receitas com novos ingredientes.
Demasiado tarde nos demos conta de que o que se passou nos dias seguintes configurava um sonho que nem sequer poderia ser uma utopia, porque estava induzido por quem detinha o segredo de adormecer os confiantes.
E assim foi.
No embalo do adormecimento, conseguiram lançar as sementes daquilo em que o país se tornou 32 anos depois: um pedaço de terra mal cuidada, à beira-mar, onde 80%, como antigamente, continuam a pagar para que os outros 20%, como antigamente, permaneçam bem alimentados, se apresentem bem vestidos, se acomodem bem alojados, andem bem transportados, e se deliciem com os seus pequenos ou grandes vícios.
Se os meus netos me perguntarem por que isso aconteceu, terei de dizer, envergonhado, talvez a última vergonha da minha velhice, que as coisas são assim, que a gente não teve culpa, que ninguém dita o futuro, que à vezes não há nada a fazer, sabendo, no entanto, com náusea, que tudo isso é uma mentira.
Sabendo que tudo isso aconteceu porque eu deixei, porque eu, no meu egoísmo, não quis desinstalar-me para dizer "BASTA!" aos novos senhores, mais envergonhado ficarei.
E se os meus netos, mesmo engolindo a mentira, me perguntarem, ainda, onde está o tal jardim florido à beira-mar plantado, eu direi que uma prolongada seca devastou os verdes de esperança, as flores de alegria, os canteiros de felicidade.
E por tudo o que não fiz de bom, ou que deixei fazer de mal, no meu pedaço ibérico, lusitano, não terei coragem para pedir aos meus netos que sejam os novos jardineiros.

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